Por: Odete Martins, Consultora Jurídica para Gestão de Terras.
O presente artigo visa discorrer sobre a problemática da concessão dos direitos de superfície pelos Governos Provinciais, buscando para tanto assinalar os procedimentos e formalismos que devem ser observados para a concessão deste direito a nível dos Governos Provinciais.
O acesso à terra é fundamental para o processo de reconstrução, construção e desenvolvimento económico e social do País e dos cidadãos, dado que a terra é um critério de cidadania e um activo que o cidadão angolano pode ter para promover o seu desenvolvimento.
Nos últimos tempos, relativamente à concessão de direitos fundiários, tem se assistido, em muitos casos, alguns desrespeitos às prioridades nacionais e à legislação em vigor.
Razão pelo qual, considera-se que a Política Nacional para a concessão de direitos sobre terras deve reflectir os objectivos principais da política social e económica do Executivo quanto ao combate à pobreza e à promoção do desenvolvimento económico, social do País e a protecção dos cidadãos.
De acordo com a Política Nacional de concessão de direitos sobre terras, alguns requisitos deverão ser levados em consideração para a implementação desta Política, que são:
- A terra como um elemento fundamental do exercício de cidadania dos angolanos;
- A ligação entre o aproveitamento útil da terra e a capacidade de aquisição de direitos sobre imóveis;
- A provisão de um sistema de transferências dos direitos de uso e aproveitamento;
- A existência de somente um tipo de título de concessão, seja qual for a base legal dos direitos adquiridos;
- Simplificação dos procedimentos administrativos de concessão de terras;
- Criação de um sistema tributário, tanto para usos com fins agrários, como fins habitacionais, industriais, mineiros e de turismo;
- Limitação de aquisição do direito de propriedade sobre terras apenas a cidadãos nacionais e evitar a aquisição de terras por estrangeiros pela via indirecta, utilizando o mecanismo da sociedade comercial;
- Respeito pela legislação em vigor quanto a concessão de direitos a pessoas singulares e colectivas de nacionalidade estrangeira;
- Limitar a aquisição injustificada de grandes extensões de terras pelos cidadãos nacionais;
- equilíbrio entre o período de duração dos direitos fundiários e o seu aproveitamento;
- Responsabilizar criminalmente os órgãos públicos pela atribuição ilegal de terras;
- A concessão de terras nas áreas urbanas e suburbanas somente poderá ser feita mediante a existência prévia de um plano de loteamento;
- A implementação da Política Nacional sobre concessão de direitos sobre terras deve ser apoiada por um Cadastro Nacional de Terras, único para todo o País, de tipo multifuncional e será interligado por uma única rede informática, com padrões uniformes, para levar a cabo as suas funções. E deve ser suportada por uma Conservatória do Registo Predial com forte apoio na área de procedimentos operacionais, capacitação de pessoal e melhoria dos seus equipamentos e infra-estruturas.
DIREITO FUNDIÁRIO, CONCEITO E ESPÉCIES
Direitos fundiários são direitos que recaem sobre os terrenos integrados no domínio privado do Estado e de que sejam titulares tanto pessoas singulares, como pessoas colectivas.
Já o terreno, é a parte delimitada do solo, incluindo o subsolo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, a que corresponde ou possa corresponder a um Artigo na matriz predial respectiva e número no registo predial.
A Constituição angolana atribui ao Estado a propriedade originária sobre a terra, facultando-lhe o poder de a transmitir às pessoas singulares e colectivas que demonstrem capacidade de a usar de modo racional (Artigo 15.º, nº1, da Constituição da República de Angola).
O legislador ordinário consagrou o regime da taxatividade em relação à constituição de direitos fundiários sobre os terrenos integrados no domínio privado do Estado (concedíveis), não reconhecendo outros direitos fundiários para além dos previstos na Lei de Terras.
OBSERVAÇÕES E POSSÍVEIS SAÍDAS
A terra enquanto bem económico, enseja o surgimento de diversos conflitos entre os diferentes agentes económicos que em determinado momento manifestam a pretensão de obter direitos fundiários para fins diversos.
Com o fito de garantir a manutenção da paz social, através do acesso e a fruição ordenada dos bens da colectividade, os estados hodiernos conceberam legislações que regulam as formas de aquisição de direitos fundiários. Entre nós – Angola – , destacamos a Lei 9/04, de 9 de Novembro – Lei de Terras, o Decreto nº 58/07, de 13 de Julho – Regulamento Geral de Concessão de Terrenos, adiante RGCT e o Código Civil.
O direito de superfície enquanto direito fundiário, é uma concessão atribuída pelo proprietário do terreno a outrem, para construção e utilização durante certo tempo, salvo para realização de obra no subsolo, a não ser que ela seja inerente ao objecto da concessão. Do leque de direitos fundiários consagrados no ordenamento jurídico angolano, o direito de superfície é sem dúvida o mais solicitado pelos particulares (pessoas singulares e colectivas).
A obtenção do direito de superfície junto das autoridades competentes do nosso País, mostra-se não raras vezes ser uma tarefa hercúlea, já que em muitos casos os interessados na obtenção deste direito deparam-se com diversas dificuldades de ordem institucional, capazes de frustrar as suas intenções e planos de investimentos ou de realização do sonho de construção da casa própria.
Consideramos mister esclarecer desde o início que do ponto de vista legal, a faculdade dos Governos Provinciais concederem direito de superfície através da emissão do respectivo título de concessão, é extensiva a todas as Provinciais do País.
Cientes de que a presente abordagem está longe de colocar um acento tónico definitivo à discussão sobre esta temática, com este exercício, pretendemos tão somente incitar a reflexão em torno das questões aqui levantadas e que julgamos serem importantes para colmatar eventuais insuficiências que se verificam no tratamento desta matéria.
TRAMITES A SEGUIR PARA LEGALIZAÇÃO DE TERRAS
- Declaração da autoridade tradicional, soba da área de jurisdição da parcela requerida;
- Croquis de localização, a ser elaborado e emitido pelo Instituto Geográfico e Cadastral de Angola (I.G.C.A);
- Requerimento para obtenção do parecer da Administração Municipal da área de jurisdição do terreno requerido;
- Requerimento para obtenção do parecer da Secção Municipal da Agricultura, da área de jurisdição do terreno;
- Auto de vistoria passado pelos técnicos do Instituto Geográfico e Cadastral de Angola (I.G.C.A.), e pelos técnicos da Secção Municipal da Agricultura;
- Requerimento para obtenção do parecer da Direcção da Agricultura;
- Plano de exploração, que deve ser elaborado por um técnico licenciado em agronomia, preferencialmente da Província, e ser entregue com todos os documentos anteriores para se juntar ao processo no Instituto Geográfico e Cadastral de Angola (I.G.C.A);
- Requerimento dirigido ao Governador da Província, a solicitar a demarcação do terreno com base no croquis de localização;
Importa informar que após a junção de todos estes documentos os mesmos serão arquivados, no Instituto Geográfico e Cadastral de Angola (I.G.C.A), com abertura de um processo devidamente numerado e identificado.