Por: Engº. Lino Manuel Vicente Sangumbe, Representante Provincial do PDAC no Bié.
INTRODUÇÃO
Toda a gama de produtos e benefícios gerados pela actividade agropecuária é designada como sendo produção agrícola. Esta produção serve de base para manutenção de alimentos a nível mundial, pois que é a partir da agricultura que se produzem os alimentos e matérias-primas para as indústrias transformadoras. A produção agropecuária é uma prática económica baseada na trabalhabilidade do solo para produção de vegetais.
A arte de trabalhar a terra, é ainda confundida, em algumas regiões de Angola, principalmente nos centros urbanos, como uma actividade de exclusividade para os adultos, no entanto, paulatinamente verifica-se a presença de jovens nesta actividade, fundamentalmente no interior do país, ao nível das comunas e municípios.
A falta de apoio e incentivos têm constituído entraves para a captação de mais jovens para esta prática. O PDAC é um destes programas que visa incentivar os jovens a enveredarem para a prática do agronegócio mediante o financiamento às iniciativas de jovens produtores individuais e/ou agrupados em associações ou cooperativas.
O presente estudo traz uma reflexão sobre a participação da juventude na agricultura e pecuária/avicultura, circunscrevendo esta reflexão mediante a caracterização daqueles jovens que beneficiaram do financiamento da Janela do PDAC Jovem na província do Bié.
METODOLOGIA
Os dados do presente estudo referem-se as informações resultantes do trabalho de campo que tem sido desenvolvido junto dos beneficiários do PDAC Jovem na província do Bié, concretamente nos municípios de Camacupa, Catabola e Chinguar, desde Junho de 2023 até Fevereiro de 2024. Na área de estudo há confluência de várias etnias: ovimbundus – os mais numerosos, chócues e nganguelas. Na região, predomina clima oceânico (Cwb), numa faixa de transição para o clima subtropical húmido (Cwa). Quanto a temperatura, ao longo do ano apresenta uma variabilidade média entre os 19°C e 21°C. Como o resto de todo o território nacional, a província do Bié apresenta duas estações: seca e chuvosa.
A rede hidrográfica da província é considerada como uma das mais ricas do país, visto que a nordeste, os rios correm para o sistema de drenagem da bacia do rio Cassai (juntamente com o rio Cuango), enquanto ao sul, ancorado nos rios Cutato dos Ganguelas e Cuelei, corre para a bacia do Cubango, e ao noroeste, ancorado nos rios Dulo e Cupache, corre para a bacia do rio Cuvo-Queve. No entanto, o maior flúmen que atravessa a província é o rio Cuanza, e boa parte da bacia de drenagem territorial, ancorada nos rios Luando, Cuiva, Chimbandianga, Cunhinga do Bié, Cossonhi, Cutupo, Cuquema e Cunje, flui para a bacia do Cuanza.
O principal acidente geográfico da província é o Planalto Central de Angola, que domina toda a zona central. Além desta formação, a fisiologia bienense possui a Serra da Sanga, a Serra de Bimbe, a Serra do Cutato, o Subaltiplano do Congolo, o Subaltiplano do Mombolo, os altiplanos do Congolo, do Mombolo e as Aplanações do Alto Cuanza.
O desenvolvimento das actividades agropecuárias é o principal motor económico da província. As culturas do arroz, hortaliças, frutícolas, feijão, milho, mandioca, soja, amendoim, gergelim, girassol e café arábico, fazem parte dos principais produtos resultantes da actividade agrícola. A prática pecuária é também uma actividade bastante importante para a economia local. É notável a criação de gado bovino, caprino, suíno, assim como a criação avícola, sem desdenhar as actividades extrativistas de pesca artesanal, fundamentada pela rica rede hidrográfica da região. Para além das actividades supracitadas, existe também a produção de mel e a exploração madeireira de espécies exóticas (Eucalyptus e Pinus).
A amostragem utilizada para o presente estudo foi do tipo não probabilística, pois que a selecção dos inquiridos foi por conveniência, onde o critério de inclusão foi o de ter beneficiado do financiamento do PDAC Jovem e ter a unidade de produção na província do Bié.
Tabela 1 – Composição da amostra
Município | Percentagem dos Jovens Inquiridos |
Camacupa | 22,22 |
Catabola | 38,89 |
Chinguar | 38,89 |
Total | 100 |
Para a recolha de informações foi utilizada a entrevista por questionário, permitindo deste modo recolher os dados quantitativos e qualitativos, sobre aspectos relacionados com o acesso à terra e a sua titularidade, o perfil das explorações agropecuárias, os contornos das operações agropecuárias, questões relacionadas com a comercialização e ligação com o mercado, bem como uma pequena abordagem sobre as actividades não agropecuárias desenvolvidas pelos jovens.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Em termos de características sociodemográficas, o género masculino é o predominante (77,78 %) entre os jovens que beneficiaram do financiamento do PDAC Jovem na província do Bié, apenas 22,22 % dos contemplados são jovens senhoras. Em termos de idades, houve uma oscilação entre 19 e 39 anos de idade resultando em uma média geral de idade de 28,77 anos de idade, sendo, portanto, considerada uma população economicamente bastante activa e responsável pelo desenvolvimento socioeconómico das suas zonas de jurisdição em particular e do país de forma geral. Em termos de agregado familiar por cada jovem a média de 2,5, muito abaixo da média para o país e a região, justificando-se pelo facto do estudo ter como objecto apenas os jovens, onde foi possível constatar que alguns ainda vivem sob o teto de seus progenitores, não tendo portando algum agregado familiar sob sua responsabilidade. Como se pode ver na Figura nº 1, maior parte dos beneficiários do PDAC Jovem na província do Bié, possuem o ensino médio concluído e apenas 11% possuem o ensino universitário concluído.
Acesso e a titularidade da terra – As formas de acesso a terra são: Por herança, por compra, por cedência, por empréstimo, por arrendamento e por meio da ocupação livre. O acesso à terra para os jovens da província do Bié de forma geral e particularizando os inquiridos nos municípios de Camacupa, Catabola e Chinguar é mediante um processo hereditário, ou seja, maior parte dos jovens (63%) desenvolvem as actividades agropecuárias em espaços deixados e/ou cedidos pelos seus progenitores e/ou ancestrais, valendo unicamente o testemunho oral e nalgumas vezes escrito das autoridades tradicionais e os demais membros da comunidade. Cerca de 14,3% adquiriu o espaço de um vendedor do município, sem existir nenhum documento juridicamente reconhecido deste processo de cedência mediante a compra e venda. Apenas 10,5% destes, possui terra devidamente legalizada, isto é, com um Título de Concepção de Terra emitido pelo IGCA[1]. Em média cada um destes jovens desenvolve a sua actividade em 6,5 hectares de terra.
Relativamente a ocupação das terras por culturas, é caracterizado pelo seguinte: A batata-rena é a principal cultura praticada pelos jovens, ocupando, portanto, em média 67,2% das áreas de produção, seguindo do consórcio do milho e do feijão com 24,5% e outras culturas (hortícolas fundamentalmente) com 8,3%.
As operações agropecuárias incluem sempre trabalho humano na movimentação de materiais, plantas e animais. Incluem também o equipamento utilizado, como tractores, máquinas agrícolas, ferramentas, construções, vedações, canais de irrigação, entre outros (Jerónimo, 2024). A preparação do solo é a primeira operação executada nas unidades de produção de todos os jovens e a mesma é feita com recurso a tractores de aluguer (56%) e usando a tracção animal (44%) usando a tracção animal do progenitor ou de um parente sem, no entanto, efectuar algum pagamento monetário, tendo apenas como responsabilidade o apascentar do gado em um determinado período a ser acordado pelo proprietário da junta de bois. Depois deste a operação, os outros amanhos culturais até a colheita são executados de forma manual, usando trabalhadores eventuais. Relativamente aos detentores de pequenos ruminantes, o único investimento feito é a construção de currais e o fornecimento de alimentos por via da pastagem aberta, sem o estabelecimento de um calendário de vacinação para os animais e/ou outro tratamento que possa agregar valor ao animal. A produção avícola é iniciada pela construção de uma capoeira, a administração de uma dose de Newcastle[2] e o fornecimento de rações a base de farelo de milho – esta é uma prática executada por cerca de 5,6% dos criadores de galinhas poedeiras.
Perfil das explorações agropecuárias – A área total da unidade de produção para cada um dos jovens é em média 6,5 hectares, como mencionado anteriormente, porem a área total cultivada é apenas de 4,9 hectares. O regime de cultivo é o de sequeiro (100%) ou seja, uma agricultura dependendo totalmente da pluviometria, no entanto, os jovens desenvolvem também agricultura de regadio usando sistemas de irrigação por meio de motobomba (75%). As principais culturas praticadas pelos jovens são a batata-rena, o feijão, o milho, a batata-doce, o amendoim, a mandioca e as hortícolas – produzidas principalmente no sistema de regadio. Em termos pecuários, os pequenos ruminantes (cabritos e ovelhas) fazem parte do sistema produtivo de apenas 2,5% dos inquiridos e cerca de 11,5% praticam a avicultura e os demais (86%) tem foco apenas na produção agrícola.
Comercialização e ligação com o mercado – Os jovens (100%) depois da produção agrícola e/ou pecuária eles próprios comercializam os seus produtos resultantes das suas actividades. Estes produtos são comercializados nos mercados municipais, onde em alguns casos (43%) são adquiridos por outros comerciantes que por via do Caminho de Ferro de Benguela (CFB) que passa pelos seus municípios (Camacupa, Catabola e Chinguar) levam para a cidade do Luena, permitindo a obtenção de maior lucratividade. Este último caso de envio de produtos à cidade do Luena aplica-se quando a produção é elevada, isto é, igual ou superior a duas toneladas, sem importar-se com o produto, seja ele milho, feijão, mandioca, batata-rena, batata-doce, amendoim, entre outros. Nesta secção é importante frisar a grande importância das motos de três rodas, as chamadas “caleluya” que têm desenvolvido um grande trabalho naquilo que a transportação dos produtos da unidade de produção até aos mercados comunais e municipais.
Actividades não agropecuárias – Os jovens praticantes da agricultura e pecuária na província do Bié, especificamente os beneficiários do PDAC Jovem nos municípios de Camacupa, Catabola e Chinguar, dedicam-se também a prática de outras actividades não relacionadas com a produção agrícola e/ou pecuária que complementam os rendimentos da sua actividade agrícola. Entre estas actividades não agropecuárias destacam-se a execução de outros negócios (28%), como por exemplo a venda de bens diversos ao nível de mercados comunais e municipais, a prática de obras de construção civil nas sedes municipais e em algumas vezes fora da província do Bié; o exercício de funções em instituições públicas (39%) distribuídas entre a educação (71,43%) e o regime geral (28,57%); a prestação de serviços a outrem (11%) especificamente a privados; sendo apenas 11% com dedicação exclusiva para a agricultura e pecuária.
CONCLUSÕES
- No seio da juventude o género masculino predomina em termos de praticantes da actividade agropecuária e a idade media destes praticantes é de 28,77 anos, possuindo um agregado familiar médio de 2,5 membros,
- Ao nível da província do Bié, (Camacupa, Catabola e Chinguar) predomina no seio dos jovens a execução de actividades agrícolas em terras cedidas pelos progenitores e/ou ancestrais, sem, no entanto, haver um Título de Concepção de Terra emitido em nome do jovem, existindo apenas declaração da autoridade tradicional.
- As principais culturas praticadas pelos jovens são as seguintes: batata-rena, milho e o feijão, cujas operações agrícolas começam com a preparação do solo que é feita usando a tracção mecanizada e/ou animal e o restante dos amanhos culturais até a colheita é feita de forma manual, recorrendo à trabalhadores eventuais. A pecuária e a avicultura é praticada por um número reduzido de jovens.
- O trabalho desenvolvido na função publica, particularmente nos sectores da educação e regime geral, predomina como sendo a principal actividade não agropecuária praticada pelos jovens.
[1]Instituto Geográfico Cadastral de Angola.
[2]A doença de Newcastle é uma doença viral altamente contagiosa que afeta o sistema respiratório das galinhas, que são as mais suscetíveis, e de outras aves domésticas e silvestres.